Zé Mário achou que convite do Inter era trote e absolve Leandro Guerreiro por erro decisivo

Reportagem do Zona Mista publica neste sábado entrevista exclusiva com o ex-treinador Zé Mário

O telefone de Zé Mário toca com um prefixo do Rio Grande do Sul às vésperas do final do ano de 1999. Do outro lado da linha, o presidente colorado Fernando Miranda o convida para uma entrevista para se tornar treinador do clube em 2000. Como é que é? Zé achou que era trote. E desligou. Mas não era brincadeira. Aceitou e viveu no Beira-Rio até o primeiro semestre de 2001, contando, com orgulho ao Zona Mista, a sua trajetória em uma época de poucos recursos, mas muito trabalho no Inter.

Zona Mista: Você foi pego de surpresa com o convite para trabalhar no Inter já no final de 1999? Quais são os principais bastidores da sua contratação?

Zé Mário: Recebi uma ligação do Fernando Miranda dizendo que mandaria uma passagem para eu ir a Porto Alegre que ele queria me entrevistar para ser o treinador do Inter. Estranhei porque nunca tinha acontecido de um clube entrevistar um treinador. Achei que era trote e desliguei. A noite, me ligaram da Aérea dizendo que tinha uma passagem para Porto Alegre no meu nome. Mais uma vez estranhei, desliguei e liguei para a companhia de aviação. Era verdade. Viajei no dia seguinte e nos encontramos no escritório particular dele. Conversamos sobre o que achava de futebol, como eu trabalhava e ele me relatou os problemas do Inter e os objetivos. Gostei do que tinha ouvido e disse que aceitaria o cargo. O Fernando me explicou que estava conversando com vários treinadores e que no dia seguinte escolheria um. Me levou no aeroporto e voltei ao Rio.

Zona Mista: A conversa com o então presidente Fernando Miranda foi boa, produtiva?

Zé Mário: No meu caminho do aeroporto do Rio até em casa eu achei que tinha falado demais e que o Fernando Miranda poderia ter achado que falei tudo aquilo porque queria o emprego. Do carro mesmo liguei para ele e pedi que ele esquecesse aquela conversa, que eu não tinha falado tudo aquilo por causa do emprego. Ele pediu que eu me acalmasse e que estava dirigindo e não poderia falar comigo. Quando chegasse em casa ele me ligaria. Chegou e me fez o convite oficial e que já tinha mandado a minha passagem para voltar à Porto Alegre no dia seguinte. E eu fui.

Zona Mista: Mesmo com um time jovem, o Inter fez uma excelente campanha no ano 2000, parando nas quartas da Copa João Havelange para o Cruzeiro. Você acreditava que aquele time poderia chegar ainda mais longe ou foi no limite?

Zé Mário: Tudo foi no limite dos objetivos traçados pelo clube. O Inter estava com muitas dívidas e um déficit mensal grande. Sabíamos que tínhamos que usar a base e dificilmente contratar grandes jogadores. Não chegamos à semi por puro detalhe. O jogadores eram determinados e se esforçaram ao máximo. Era também a chance deles aparecerem numa vitrine como o Inter. O Fernando Miranda e o Medina (João Paulo Medina, então gerente de futebol) estavam presentes sempre em todos os treinos e jogos. Era um grupo disposto a tirar o Internacional da situação financeira que estava.

Zona Mista: Aqui no Rio Grande do Sul, o volante Leandro Guerreiro ficou marcado por ter perdido a bola do gol da desclassificação contra o Cruzeiro. Ele foi injustiçado? O que você lembra daquele específico jogo?

Zé Mário: Infelizmente foi ele quem perdeu a bola. Qualquer um que cometesse aquele acidente seria marcado. Ele foi injustiçado porque isso acontece. Eu nunca poderia ter perdido aquela bola porque não estava dentro do campo. Poderia ter acontecido com qualquer um. O Leandro Guerreiro, como o nome mesmo diz, era um dos nossos guerreiros que lutou até o fim pela recuperação do Inter. Foi um sacrifício de todos os jovens que formaram aquele time. Digo sacrifício porque eram jovens lançados numa fogueira. Apesar de sacrifício, também tinha a satisfação de jogar num Internacional, um grande clube. Era aquele momento e tudo que aconteceu de bom e ruim foi na hora certa. Eu costumo dizer que a minha carreira, a partir do meu trabalho no Internacional, teve um marco diferencial para melhor. Aprendi muita coisa com a direção, com o presidente Fernando Miranda e com o Medina, com a comissão técnica, principalmente com o Elio Carraveta (da área de preparação física do clube) e com os jogadores.

Zona Mista: Naquele elenco você tinha muitos jovens como Juca, Rochemback, Lúcio, Diogo Rincón… você sente que o seu trabalho ajudou o Inter a virar uma grande fábrica de talentos no início dos anos 2000?

Zé Mário: O Inter sempre foi um clube formador de talentos. Eu dei continuidade ao lançamento desses talentos. Fico muito orgulhoso disso. Tenho certeza que de uma maneira ou de outra eu pude ajudar o Inter e aos jogadores a realizarem algo bom na carreira deles, principalmente a do Rochemback.

Zona Mista: Para fechar, Zé. Acredita que a semente que você plantou no Inter naqueles anos de 2000 e 2001, de alguma forma, pode ter ajudado nos grandes títulos que vieram a partir de 2006?

Zé Mário: Sem dúvida o trabalho feito trouxe algum benefício, principalmente para o clube. Os títulos conseguidos depois tiveram uma grande parcela do Fernando Miranda. Como agora, mais recentemente, o trabalho que o Bandeira de Melo fez no Flamengo. Isso vai dar certo sempre. Quem trabalha com os pés no chão, planta para o futuro. O que o Fernando Miranda e o Bandeira de Melo fizeram tinha que ser copiado por todos os presidentes de clubes espalhados pelo Brasil. O trabalho da comissão técnica e dos jogadores também foi importante para o futuro. Eu fui sacrificado (demitido) para o bem do projeto e não pelo trabalho. São coisas que só quem estava lá dentro pode entender sobre a minha demissão. Mesmo depois de demitido, o meu carinho pelo Fernando Miranda aumentou porque a honestidade e o sacrifício que fez pelo Inter são para poucos homens. Recebo, até hoje, muitos elogios pelo trabalho que fiz no Internacional. Uma coisa interessante é que sempre que me encontrei na rua com torcedores do Grêmio fui muito bem tratado. Todos brincavam comigo com muito respeito. Nem com a imprensa dai eu tive problemas (risos). Isso me dá orgulho do dever cumprido. Queria aproveitar e mandar um abraço a todos os torcedores gaúchos.

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