Embora ainda jovem na carreira de técnico, 36 anos, Thiago Gomes vai enriquecendo o currículo com cursos no Brasil e na Argentina para aliar sala de aula e campo de jogo em prol do desenvolvimento dos jogadores. No momento, o foco do profissional é seguir lapidando os jovens do Sub-23 gremista, que atua como suporte ao técnico Renato Portaluppi no profissional. Aliás, os elogios a Renato – e também ao atacante Ferreira – marcaram a entrevista exclusiva do treinador da transição do Grêmio ao Zona Mista.
Zona Mista: Thiago, você tem optado por seguir uma carreira com base em estudos e cursos, como tem feito na Argentina, por exemplo. Mas nem todos os treinadores optam pelo caminho da especialização, das aulas. Por que você fez essa opção e qual o diferencial que isso traz dentro de campo?
Thiago Gomes: Nos últimos anos da minha carreira eu busquei unir a teoria com a prática. Passei por diversos clubes entre base e profissional. Tive a oportunidade como interino de dirigir o Sport Recife, que é um dos maiores clubes do Nordeste. Clubes menores como o Pelotas, o São José. Pude participar de comissões técnicas com profissionais do mais alto nível e aprender muito com essa troca. Ao mesmo tempo, venho me desenvolvendo na parte teórica assim como os treinadores do futebol mundial têm feito, porque atualmente se pede licenças para os técnicos comandarem os clubes nos campeonatos nacionais e continentais. Tenho buscado me aperfeiçoar, mas não só pelas licenças e, sim, porque também acredito que conseguir desenvolver os conhecimentos dentro de uma semana de microciclo é legal, é importante para buscar novas ideias e conhecimento. A semana de trabalho em um grande clube é muito complexa. São muitas ciências envolvidas no desenvolvimento de um atleta de alto rendimento. Eu tenho buscado me aperfeiçoar nesse sentido.
ZM: Nos conte um pouco mais do seu currículo.
TG: Tenho pós-graduação em fisiologia do exercício, sou formado em Educação Física, fiz pró-graduação em treino de futebol. Como eu falei, estou fazendo os dois cursos tanto de Licença A da CBF como a Licença A da AFA. Acredito que para desenvolver grandes atletas, principalmente os jovens, a gente precisa estar ligado nos detalhes como carga de treinamento, volume, intensidade, conceitos táticos, em qual momento aplicar cada conceito. São muitas informação que, se você não tem o domínio, você pode atrapalhar o desenvolvimento de um jovem talento. Hoje trabalhando com o Sub-23 do Grêmio, é fundamental não atrapalhar o processo de formação de um atleta.
ZM: O que é mais difícil no trabalho com os jovens: estabelecer os conceitos táticos, de estratégia e posicionamento em campo ou lidar com a parte mental de cada um deles?
TG: Quando a gente fala de desenvolvimento de jovens talentos, são vários fatores que dificultam e que muitas vezes são complicadores na formação. Não podemos falar que é só tática, só físico, só mental. O jogador eu vejo ele como um todo. Vejo o atleta e o futebol conectados. Assim que a gente trabalha no Grêmio. A gente não fragmenta o tático, o físico, o psicológico, o mental. Tudo que envolve a formação do atleta a gente trabalha de forma global, conectada. Não tem como eu falar o que é mais difícil. Eu acredito que o mais importante, como eu falei, é desenvolver o atleta dentro da especificidade do futebol e do treinamento. Aqui, no Sub-23, a gente faz uma especialização tática, onde o jogador trabalha dentro dos conceitos que o Renato aplica no time profissional. Em cima da forma tática que o Grêmio joga. Por exemplo: no início do ano, o Grêmio começou a trabalhar com três volantes. E a equipe Sub-23 começou a trabalhar com três volantes também. A base do Grêmio, que na minha opinião é a principal categoria de base do futebol brasileiro, porque trabalha com maior excelência, desenvolve os atletas muito bem tecnicamente, taticamente. O que a gente faz no Sub-23? Trabalha as aplicações de conceitos táticos. Por isso que eu falo que não tem como dizer o que é mais complicado com os jovens. São jogadores de alto nível. E como a gente trabalha todos os conceitos conectados, eu diria que o mais importante é desenvolver o atleta como um todo.
ZM: Pergunto sobre a parte mental pois, para um jovem atleta, jogar no Grêmio é uma grande vitrine em todos os sentidos.
TG: A gente trabalha o lado mental, que envolve concentração, tomada de decisão, extracampo, criando ferramentas dentro dos treinamentos para desenvolver um atleta mais concentrado, competitivo e intenso dentro do jogador. Eu tenho uma grande comissão técnica que me ajuda na relação entre treinador e jogador. Aí a gente trabalha a questão do extracampo, porque são muitas tentações que acontecem na vida de um jovem. Ainda mais para o jovem que joga no Grêmio, numa instituição que tem torcida, que ele começa a ter relação com imprensa. Então o trabalho multidisciplinar com a minha comissão técnica, que é de excelência, faz com que a gente consiga ter o jogador mais concentrado para as boas decisões dentro do dia a dia de treinamento. É um trabalho de dia a dia. Com muita conversa, com muita orientação, de bastidor. Para estarmos sempre orientando, como um psicólogo. E temos psicólogas excelentes no clube que nos ajudam e também trabalham com isso. Então é um trabalho muito de formiguinha, de dia a dia, que você tem construindo para desenvolver o extracampo, o mental e o lado mental de dentro de campo.
ZM: O que para você é mais importante dentro do time de transição: obter resultados ou evoluir, melhorar e revelar jogadores?
TG: Com certeza o nosso objetivo é desenvolver grandes talentos. O nosso objetivo é continuar o processo final de formação dos meninos pra eles chegarem mais preparados no profissional. As competições são importantes dentro da formação dos jogadores também. Faz parte de qualquer atleta de alto rendimento, ainda mais para um atleta da potência que é o Grêmio, a necessidade de ser competitivo. A gente não usa a competição para cobrar resultado e cobrar ser campeão. A cobrança é pelo desenvolvimento do atleta na questão de competitividade. O jogador precisa saber reverter momentos difíceis dentro de uma partida, precisa saber jogar clássico, jogos de mata-mata, de final. Tudo isso faz parte da formação do atleta. Eu entendo que a formação de um jovem jogador não será completa se não tiver a competição. A competição é importante e a cobrança por resultado no Sub-23 acontece, mas não apenas por vitória e sim pelo desenvolvimento dessa questão competitiva, que a gente acredita ser muito importante na formação de jogador de alto rendimento.
ZM: Gostaria de perguntar também sobre o Ferreira. Como tem sido o convívio e o comportamento dele desde que “desceu” neste ano novamente? Ele é um jogador pronto?
TG: O Ferreira fortalece todo o trabalho da categoria Sub-23 no sentido que é um menino que já tinha estourado a idade Sub-20, aí foi para outros clubes por empréstimo, como o Aimoré, acabou não tendo sequência, voltou para o Sub-23 e fizemos um trabalho de lapidação nele. Ele respondeu perfeitamente na questão de evolução. Virou um jogador mais inteligente taticamente para resolver os problemas do jogo. Melhorou muito a finalização, melhorou as ações defensivas. Ele é mais completo a partir do trabalho no Sub-23. E toda essa evolução veio depois que já tinha estourado a idade Sub-20. Mostra a importância de ter um projeto como o nosso. Muitos atletas acabam a sua formação depois dos 20 anos, e o Ferreira é um caso assim. Ele tem treinado com o time Sub-23 normalmente. Tem cumprido horários e feito os treinamentos que a gente pede. Ele, no momento, está com uma idade acima dos outros nossos, porque temos um grupo muito jovem. O Ferreira, hoje, tem um nível de jogo muito mais profissional do que base.
ZM: Para fechar, Thiago. Em uma eventual saída do Renato, que já está no Grêmio há quatro anos, você já se sentiria preparado para assumir o profissional do Grêmio? Esse é o seu objetivo?
TG: Eu torço para o Renato ficar muitos anos no Grêmio. Muitos anos mesmo. Além dele ser hoje, ao lado do Tite, o principal treinador do futebol brasileiro, eu me sinto privilegiado de estar trabalhando no Grêmio, que é uma honra muito grande, e ao mesmo tempo estar tão próximo do Renato. Pra mim, é evolução e aprendizado constante estar trabalhando no Sub-23, que é uma categoria abaixo do profissional. Eu posso ver o dia a dia do Renato mais de perto. Isso, pra mim, é um doutorado em futebol. Por isso que eu espero trabalhar ainda muitos anos no Grêmio para seguir tão próximo do Renato. Nesse momento, a gente está muito focado nesse trabalho no Sub-23 e eu sinceramente não penso em nada fora disso. Penso em continuar no Grêmio para trabalhar junto com esses meninos. O nosso trabalho se tornou referência no cenário nacional. Fico muito feliz e posso falar para você que no cenário internacional também. Essa semana o coordenador-técnico de um clube do Uruguai pediu o meu contato para passar para o supervisor da base do Nacional. Justamente para falar um pouco mais sobre o trabalho de formação que tenho feito com os meninos. Por isso nos tornamos referência e para mim é um honra estar à frente deste trabalho no Sub-23 do Grêmio. O foco é seguir esse trabalho e buscar desenvolver os atletas.