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Diogo Rincón recorda dia de “vilão” no Inter, abre o jogo sobre alcoolismo e quer usar futebol para mudar a vida dos jovens

Reportagem do Zona Mista publica entrevista exclusiva com o ex-meia-atacante colorado Diogo Rincón

Diogo Rincón recebe de Lúcio, dribla Jefferson e faz a torcida começar a soltar o grito de olho na semifinal da Copa João Havelange de 2000. Mas, com o gol livre, ele acaba perdendo diante do Cruzeiro, que vira no Mineirão para 3×2 e se classifica. Passados vinte anos, o ex-meia-atacante até se diverte ao falar do lance, mas admite ter sofrido na época dada a facilidade com que todos apontavam sobre a jogada.

Jogada essa que não, não retrata a carreira daquele que foi o primeiro brasileiro a abrir portas na Ucrânia dando fôlego ao caixa do Inter em 2002. Do Dínamo de Kiev, onde até hoje é respeitado, Rincón fez o seu nome no leste europeu mesmo sem conseguir abandonar um vício hoje já vencido: o álcool.

Ao Zona Mista, Diogo Rincón tratou de todos esses temas e detalhou o seu atual trabalho na ONG Brasil Futebol Clube, espaço em que, ao lado do também ex-colorado Chiquinho, leva o futebol às crianças. Mas antes de ensinar passe, chute e cabeceio, vem a preocupação em educar, formar caráter e impulsionar o futebol como crescimento de vida. Algo que ele admite abertamente: faltou em sua trajetória.

Zona Mista: Diogo, você surgiu no Inter em uma época diferente, onde o clube tinha poucos recursos financeiros e iniciava o processo de reformulação necessitando apostar na base. Mesmo diante dessas dificuldades, as lembranças são positivas? Quais as melhores memórias?

Diogo Rincón: Realmente, nessa época de final dos anos 90 e início dos anos 2000, o clube passava por dificuldades financeiras, de estrutura e de organização. Mas eu confesso pra ti que o sentimento nosso, e eu falo “nosso” porque falo da gurizada que era da base, era um sentimento de muito romantismo. Nós éramos torcedores do clube. E eu continuo sendo. Então, essas dificuldades não afetavam em nada a relação que nós tínhamos com o clube. Pra mim, o que valia era o fato de jogar no clube do meu coração e poder realizar o sonho de ser jogador de futebol profissional no meu clube, além de poder representar o Inter em várias competições de base e depois no profissional. Era uma época que, no profissional, não conquistávamos muitos títulos de expressão. Algo que depois o clube veio a conquistar pra se tornar essa potência que é hoje. Mas graças a Deus tive a oportunidade de vencer o Gauchão de 2002. E essa é uma das grandes memórias que eu tenho. Ter sido campeão gaúcho e ter participado da campanha. Fiz um gol na primeira partida da final em Campo Bom contra o XV. Saímos perdendo, empatamos, viramos e depois ganhamos de 2×0 no Beira-Rio.

ZM: Você sentiu muita diferença da rotina das categorias de base para o dia a dia no profissional?

DR: As lembranças do convívio na categoria de base pra mim são ainda mais marcantes. Era realmente uma grande família. Os interesses na base, pelo menos naquela nossa época, eram bem diferentes de hoje. Hoje tu já vê meninos com grandes sonhos e objetivos de Europa. Cada um com o seu empresário, e todos com badalação. Na nossa época não era tão assim. A relação entre os colegas da base era muito familiar. As grandes recordações e memórias eu posso te dizer que tenho mais da base do que do profissional.

ZM: A campanha na Copa João Havelange, em 2000, parando nas quartas de final para o Cruzeiro, poderia ter sido ainda mais surpreendente? No Mineirão, você acabou perdendo um gol embaixo das traves. Consegue lembrar com detalhes daquela jogada?

DR: Com certeza aquele ano de 2000 foi bem especial. Era um grupo muito unido e cresceu durante a competição. Na época eu estava subindo e foi meu primeiro ano de fato no profissional. Embora eu já tivesse tido participações em anos anteriores, mas eu subia e descia. Em 2000 subi em definitivo. Foi especial. Não era titular, mas eu era um reserva que entrava em quase todos os jogos. Participei muito bem daquela competição. Infelizmente, saímos nas quartas. Teve esse lance que marcou muito. Até hoje alguns torcedores relembram. Na época foi difícil. Eu era muito jovem ainda. Mas hoje já superei e entendo que, olhando de fora as pessoas vão dizer que “até eu faria”… acho que até eu se tivesse uma segunda oportunidade. Mas ali dentro é tudo muito rápido. Foi um ano muito interessante para todos nós. Lembro que participei do gol da classificação na Arena da Baixada contra o Athletico nas oitavas. O futebol tem dessas coisas. Em uma semana eu saí de herói a vilão.

ZM: Você chegou a rever o lance do gol perdido muitas vezes? 

DR: Não me lembro, sinceramente, do lance. Não revi muitas vezes. Não lembro se alguém deu o passe. O que sei é que eu saí na frente do goleiro Jefferson, driblei. Era final do primeiro tempo e vencíamos por 1×0. Se fizéssemos 2×0, seria muito difícil para o Cruzeiro virar para cima de nós. Nosso time estava bem organizado. Driblei o goleiro e fiquei com o gol escancarado. Nem olhei para a goleira. Quando a gente está no campo, a gente tem mais ou menos a noção. Ou acha que tem (risos). Driblei, nem olhei e bati na bola acreditando que entraria até pela facilidade. Como falei, tudo muito rápido e depois que a bola saiu do pé e eu percebi que não sairia o gol. Mas não teve nada de preciosismo. Não teve nada além de um movimento natural acreditando que faria o gol. Numa situação daquelas, embora fôssemos nos classificar e todos os torcedores fossem ficar felizes, o maior interessado por aquele gol era eu mesmo. Muitas vezes sou cobrado como se eu quisesse fazer aquilo. Fui cobrado na época, hoje nem tanto. Hoje, quando lembram, a gente até dá risada junto. Mas acontece. Faz parte.

ZM: Saindo do Inter, você vai para o Dínamo de Kiev sendo o primeiro brasileiro a ter maior destaque na Ucrânia. Como foi a experiência no futebol do leste europeu?

DR: Foi tudo muito rápido. Eu lembro que o Fernando Carvalho tinha assumido a presidência do Inter e ele era muito amigo meu. Só que ele sabia que, para ele organizar as finanças do clube, ele precisava vender um jogador por ano no mínimo. Para organizar tudo. Naquele ano da gestão dele, e ele tinha falado comigo, que ele conhecia a minha capacidade, meu potencial e que iria apostar em mim no profissional. Em 2001 eu tinha ficado quase todo ano machucado. Uma lesão atrás da outra. Um dia na arquibancada, vendo um jogo, ele falou pra mim que iria investir em mim. Que era para eu me preparar. E de fato ele fez isso. Na pré-temporada, ele comprou a briga por mim. Eu não estava indo bem em alguns amistosos, mas ele estava comprando a briga. E consegui me firmar.

ZM: Aí vem a proposta no meio de 2002.

DR: Sim. Lembro que eu estava em casa. E ele me ligou: “Negão, preciso que tu venha aqui no clube”. Eu fui e ele me falou: “Eu não gostaria que fosse tu. Mas tenho essa proposta e tu sabe a situação do nosso clube. Quero que tu analise”. E nós estávamos, na época, com cinco meses de salário atrasado. Com muita dificuldade financeira. A proposta era muito boa. Decidi aceitar aquele desafio. Um país totalmente desconhecido. Muitos me rotularam como louco na época. Eu conhecia o Dínamo, mas não conhecia o país. Era um time importante do leste europeu. Fui um dos pioneiros do Brasil lá na Ucrânia. E as coisas deram certo, porque foi uma experiência muito boa. Foram seis anos e meio que eu fiquei lá. Tive um amadurecimento pessoal e profissional muito grande. Até hoje sou bem considerado e respeitado lá. Creio que fui responsável por abrir a porta do leste europeu para os brasileiros. É um mercado que cada vez mais contrata brasileiros e sul-americanos. Foi uma experiência boa. Voltamos algumas vezes lá para visitar amigos e o país. Posso dizer que não nos arrependemos, eu e minha família, de ter ido para lá.

ZM: Em algum momento na sequência da sua carreira, pegando a passagem por outros clubes após o Dínamo, surgiu a oportunidade de um retorno ao Inter? Havia, pelo menos, a sua vontade?

DR: Eu lembro que quando eu voltei para o Corinthians, em 2008, a minha ideia era voltar para o Inter. Eu trabalhava na época com um pessoal, não eram empresários, mas que cuidavam de algumas coisas para mim e lembro que queria voltar para o Inter. O treinador era o Abel. Esse rapaz que trabalhava comigo me disse que havia feito contato e o clube não se interessou. Até mesmo o Abel, na época. Que disse que tinha o grupo já fechado. Não surgiu o interesse. Depois de um tempo, encontrei um dirigente da época que até disse ter ficado chateado comigo, porque havia marcado uma reunião comigo e eu não apareci. Mas eu não apareci porque eu nem sabia da reunião. Essa pessoa que trabalhava comigo não me falou. O Mano Menezes, que era um amigo pessoal e me conhecia da base do Inter, ficou sabendo da minha vontade de voltar ao Brasil. O Corinthians estava na segunda divisão na época, montando um novo time. Time bem interessante para retornar à Série A e já criar base pros anos seguintes. O Mano solicitou minha contratação e foi o que aconteceu.

ZM: Por ironia do destino, a rivalidade entre Inter e Corinthians naquela época era fortíssima.

DR: Para tu ver como são as coisas. É que na época, lá na Ucrânia, as notícias do futebol brasileiro não chegavam da mesma maneira como hoje, que é muito fácil. Então essa rivalidade cresceu bastante naquele Brasileirão de 2005, né? Me lembro que alguns torcedores me agrediram nas redes sociais. Não muitos, mas alguns. Dizendo que eu tinha traído o Inter nesse caso. Só que eu nem sabia. Foi um desencontro atrás de desencontro. E foi uma experiência boa ter jogado no Corinthians também. Muito bom. Um clube de massa, interessante. Os bastidores, também (risos). Não tenho arrependimento. Agora, claro, sempre tive vontade de voltar para o Inter em algum momento.

ZM: Em várias entrevistas que você já deu nos últimos tempos, você falou abertamente sobre problemas extracampo como o álcool, por exemplo. Onde você sentiu que a sua carreira começou a “escapar”? Qual o maior arrependimento?

DR: Eu falo abertamente porque hoje eu dou testemunho daquilo que eu vivi e o fato de ter jogado futebol profissionalmente e fora do país me dá uma voz. Para eu poder falar a respeito disso, do alcoolismo. Conheci o álcool muito cedo em ambiente familiar. Sempre dou alerta às famílias quando tenho a oportunidade de falar. Tem que ter cuidado. Normalmente, o vício do álcool começa dentro de casa. Muitas vezes os pais, sem muita informação, não percebem que estão criando um hábito nos seus filhos que pode, lá na frente, dar problema. Falo abertamente, cara. Tive que renunciar a muitas coisas para jogar futebol em alto nível. Não é fácil. É uma carreira bem difícil e para poucos. Só que uma das coisas que eu não consegui renunciar foi o álcool. Sempre me acompanhou. E como tudo que tu vai fazendo com frequência, o consumo foi aumentando. Quando eu voltei para o Brasil em 2008 para o Corinthians, senti que eu estava perdendo o controle. E os meus interesses já não eram mais os mesmos. Ali por 2008 e 2009 eu perdi o controle. Comecei a colher os frutos do que eu vinha plantando. Daquele período em diante a minha carreira foi só arrastada até 2012. Foi quando decidi parar. Não tinha mais condições de levar adiante. Eu costumo dizer hoje que arrependimento, de verdade, a gente tem um só. Remorsos a gente têm bastante, mas eles não nos levam a mudanças. E arrependimento é um, que é o maior da minha vida, foi de durante um tempo eu ter negligenciado o cuidado, o carinho, o amor dentro da minha casa. Com meus pais. Não ter honrado como deveria ter honrado. Não ter cuidado da minha esposa e do meu filho. Mas hoje graças a Deus tudo mudou.

ZM: Qual é a sua relação atual com o futebol? Tem gostado do futebol apresentado pelo Inter do técnico espanhol Miguel Ángel Ramírez?

DR: Logicamente eu sigo apaixonado por futebol. Tenho um filho de 15 anos que quer jogar futebol também. É muito mais disciplinado do que eu (risos). E eu acredito muito que possa se tornar. Confio nisso. Não acompanho muito o Inter e não posso falar a respeito. Quando vou na casa do meu pai a gente fala muito sobre o futebol. Mas mais escuto do que falo. Continuo apaixonado por futebol e torcendo pelo Inter. Hoje eu trabalho no Futebol Social. Faço parte de uma ONG chamada Brasil Futebol Clube junto com alguns ex-jogadores como o Jé, ex-Grêmio, o Chiquinho, ex-Inter. E nós usamos o futebol como uma ferramenta para trabalhar princípios e valores nós jovens, nas crianças. É a relação mais direta com o futebol. Acredito que o futebol, assim como o esporte em geral, precisa ser melhor aproveitado. Principalmente na base, no fundamento das crianças. Eu lembro que, sem querer criticar, mas muitas vezes o futebol não me educou. Valia muito mais o meu rendimento dentro de campo do que a vida que eu levava fora. Vendo dessa forma, a gente vê o futebol tratando as crianças como produtos hoje. E a nossa preocupação é maior, mais ampla. São pessoas com familiares. Só que depois de um período o futebol acaba e esses seres humanos precisam estar inseridos na sociedade. O futebol poderia educar muito mais na formação. Não somente técnica e tática, mas do caráter.

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