Cláudio Roberto Pires Duarte, o Claudião, era o treinador do Grêmio na reta final da trágica campanha do Brasileirão de 2004, que culminou no segundo rebaixamento da história do clube. Na época, uma folclórica história virou lenda urbana e, de tanto ser repetida, quase se tornou uma verdade. Que Cláudio Duarte nega: nunca aconteceu o tal caso da “Poltrona 36”.
As más línguas diziam que os zagueiros Capone e Fábio Bilica teriam mantido intimidades homossexuais no fundo do ônibus “Trovão Azul” na volta de uma derrota para o Paraná, por 1×0, fora de casa. Jamais, porém, houve comprovação material do ocorrido e segundo Claudião, em longo depoimento dado ao jornalista Filipe Gamba nesta semana, a raiz da história está numa frase mal interpretada dada à imprensa pelo então diretor de futebol e chefe da delegação, Hélio Dourado, logo na chegada ao pátio do Olímpico na manhã do dia seguinte.
“Nunca existiu isso. Claro que eu estava no ônibus. Era de dois andares. Eu estava lá em cima. Me falaram que, na outra parte, embaixo, houve isso e aquilo. Contação de história. O jogo seria no sábado, às 18h, contra o Paraná. E só teria voo de volta no outro dia às 17h. E eu comentei com o senhor Antônio Carlos Verardi, aquela figuraça, que me disse assim: ‘Como nós vamos segurar esses loucos?’. Sem ofensas, mas a gente dizia que aquele grupo era um bando de louco. O jogo acabava às 20h. Como é que nós iríamos segurar aqueles caras até o outro dia de tarde? Aí alguém disse: ‘Manda o ônibus’. Acaba o jogo, bota todo mundo dentro e volta. Domingo de manhã, 7h, está todo mundo em Porto Alegre”, disse Duarte, que ampliou:
“Foi aceita essa ideia. Não foi punição ao grupo. Nós iríamos nos incomodar, porque depois do jogo os caras iriam querer noite livre. Na situação que estávamos, não poderíamos pagar esse vale. Estávamos pendurados para cair e já era uma tragédia. A viagem explodiu no começo dela. A gente saiu do centro de Curitiba para pegar a 101 e no caminho marcamos a janta em um restaurante em São José dos Pinhais. Nós combinamos assim: ‘Não tem cerveja, não tem bebida, não tem nada’. Foi combinado pela comissão e pelo Seu Verardi. Quando o ônibus para, os jogadores descem e a comissão ficou no ônibus. Em 10 minutos, deixamos toda a programação armada. Segunda-feira de manhã isso, de tarde aquilo, etc. Quando nós entramos no restaurante, churrascaria cheia, estava a mesa pronta e os jogadores todos tomando cerveja”.
Naquele momento, Claudião já estava irritado com a determinação feita por Dourado, mas, dada a circunstância e de todos os problemas, com a proximidade da queda para a segunda divisão, o treinador não quis confrontar o dirigente e deixou tudo “por isso mesmo”.
“Nós estranhamos, havíamos combinado. Eu perguntei ao Verardi o que que houve? Ele disse que o chefe da delegação disse que quem manda é ele e que ele tinha liberado a cerveja. Ok, já que ele era o chefe, eu fico quieto. Fiquei só olhando. Não me meti mais. E os jogadores jantaram na base da cerveja. Quando acaba a janta, eu larguei um funcionário da comissão em cada canto. ‘Fiquem de olho que vão levar cerveja para o ônibus’. Resultado: era sacolada de cerveja. Daqui a pouco, a geladeira lá embaixo no ônibus estava cheia de bebida, sendo que era para guardar gelo para tratar os lesionados”, ampliou Cláudio.

“Era problema do chefe da delegação. Meu, não era. Eu era mero empregado. Resultado: os caras acabaram com a cerveja. Quem queria tomar cerveja, desceu. Os outros ficaram lá em cima. Tinha música, cantoria, aquela festa toda. Eu ficava no banco da frente em cima para esticar os joelhos e o Verardi do lado. Diziam: ‘Vai lá mandar parar que eu quero dormir’. Eu disse que não iria. O chefe da delegação autorizou, então era ele que deveria resolver. Não me meti e o Verardi também não. E os caras vieram a noite toda de fervo, gritaria, aquela coisa toda”, acrescentou.
Depois de uma longa viagem dividida entre quem queria cerveja, algazarra e cantoria e entre quem queria descanso e sono, uma turma em cada andar, o ônibus chegou no Olímpico e a história começa a tomar forma no desembarque. A um repórter que esperava a delegação, Hélio Dourado teria dito sobre o percurso Paraná-Porto Alegre: ‘Esses p… vieram de sacanagem’.
“Quando a gente chega no pátio do Olímpico, a maioria lá de cima estava brabo porque dormir mesmo não deu. E eu desci atrás de um grupo. Quando esse grupo desceu, um repórter fez uma pergunta: ‘Como é que foi a viagem?’. E uma pessoa respondeu: ‘Esses p… vieram só de sacanagem no ônibus’. Eles vieram cantando. Eu lembro quem falou, não vou dar o nome. E essa frase gerou interpretações diversas. Inclusive, mancharam pessoas que tinham famílias e histórias”, acrescentou Claudião.
“É um aspecto crítico que eu tenho comigo mesmo. Se eu tivesse atropelado do meu jeito como eu sempre fazia, não teria acontecido nada disso. Eu propositadamente me ausentei da discussão para não brigar com o chefe da delegação. ‘Quem manda aqui sou eu’. Ok, eu sou empregado, cara. Mas a lenda só aconteceu depois que o ônibus parou aqui. Se eu faço minha intervenção normal, eu chuto o balde no restaurante e pego toda aquela cerveja e atiro fora, como vi treinadores fazerem. ‘Aqui não vai tomar cerveja, sou treinador e quem manda nessa m… sou eu’. Eu iria comprar uma briga. Mas pensei que não valeria a pena. A coisa já estava tão ruim. E o Verardi concordou e disse: ‘Quem autorizou que cuide’. A cerveja foi um incentivo para tu ficar rindo, contando história”, lamentou o treinador.
O ex-técnico diz duvidar do ocorrido e até cita que o número 36 correspondia a uma poltrona que ficava na parte superior do ônibus, onde não havia festa nem cerveja. Anos depois, o ex-lateral-esquerdo Michel Bastos deu declarações à imprensa sugerindo que o caso realmente teria acontecido. Ele pertencia ao elenco do Grêmio de 2004, mas não esteve nesta viagem.
“Criaram de que, lá embaixo, o número da poltrona era 36. Mas não era. Esse número ficava em cima. Surgiu por alguma interpretação que alguém criou. Eu me penitencio, porque eu, como treinador, não enfrentei uma situação que dirigente criou. Nunca mais vi eles (Capone e Bilica). E não conversei depois. Aquilo ficou tão pesado que, até falar sobre, não seria vantajoso para ninguém. Cada dia alguém aumentava um pedaço da conversa. Aí diziam que era os dois, depois diziam que era os dois com mais não sei quem. Cada dia era uma história diferente”, disse Claudião.
“Nós perdemos o jogo. Mas foi a melhor partida do ano do Grêmio. Era para ser uns 8×0. Mas tomamos um gol da intermediária no fim. Eu não podia nem dar um esporro nos caras. Os caras fizeram o máximo que deu. Mas jogo é isso, às vezes a bola não entra. Eu seria muito desonesto se eu contasse uma história para engambelar uma possibilidade de ter acontecido um fato que manchou muita gente. O relato que eu faço é o que aconteceu na minha visão e com minha participação. Se aconteceu algo fora disso, aí eu não sei. O que teve foi cervejada, cantoria e alegria como se tivessem ganho a partida na parte inferior do ônibus. Alegria como se não tivesse risco de cair para a segundona e como se tudo estivesse um paraíso”.
“Como é que vai acontecer? Tinha cerca de 10, 12 caras lá embaixo. Tu acha que aconteceria alguma coisa? Como diz o outro, suruba de três ou quatro é uma coisa. Agora, só homem ali? E tinha senhores. Massagistas, roupeiros. É complicado. Eu me guio pela situação da chegada porque eu estava atrás de quem disse a frase. ‘Esses p… vieram de sacanagem a viagem toda’. Foi a frase que gerou interpretações variadas. O meu relato é esse e eu não tenho peso na consciência de estar mentindo. Eu sempre entrava com os pés na porta do meu jeito, mas dessa vez não, inclusive aconselhado pelo Verardi”, finalizou.
Cláudio Duarte salvou o Inter em 2002
Dois anos antes da polêmica história da “Poltrona 36”, Cláudio Duarte havia sido chamado às pressas pelo presidente colorado Fernando Carvalho para tentar salvar o Inter do provável rebaixamento no ano de 2002. Claudião esteve na casamata do visitante do Mangueirão na lendária e folclórica vitória de 2×0 sobre o Paysandu, que, casada com outros três resultados paralelos, salvou o colorado da queda.
“Eu vim para salvar como todos sabem. Faltavam quatro ou cinco jogos e a situação estava pesada. Fizemos o melhor jogo contra o Cruzeiro, em casa, mas perdemos de 1×0 com gol de cabeça do Luisão. Demos um banho neles, mas perdemos. Resultado: acabou, caiu. Mas aí fomos saber do resultado do Paysandu contra o Juventude. E aí o Paysandu se livrou. Pensamos: ‘Ainda resta um fio de esperança’. Nos reunimos ainda de madrugada depois do jogo do Cruzeiro e mudou tudo. Já viajamos ao Pará no dia seguinte. Precisávamos sair de Porto Alegre”, explicou Claudião, antes de complementar:
“Lá, nem campo conseguimos para treinar. Treinamos em um campinho de grama de 30 por 40 metros. Só para dizer que treinamos. Não iria adiantar nada treinar agora. Agora era levantar o astral e demos sorte. Tínhamos que vencer o jogo e ter três resultados paralelos. E deu tudo certo. As histórias sobre esse jogo, é a mesma coisa, são lendas”.

Na época – e até hoje – circularam histórias de que o Inter teria comprado jogadores do Paysandu, dentre eles o goleiro titular, visando uma “entrega” na partida. Assim como a “Poltrona 36”, Duarte diz não ter conhecimento sobre isso e ainda acha muito improvável que tenha acontecido:
“Nós estávamos no hotel às 11h da manhã do dia do jogo e o ex-dirigente, o falecido Arthur Dallegrave, sai com uma maletinha e chama um táxi. Embarcou, sentou e disse para ir em um mercadinho de lá. Nesse papo, ele vai conversando com o motorista. ‘Me larga ali que estou com essa pastinha aqui e tenho que fazer um acerto com o goleiro do Paysandu’. Foi comentando com o cara. Mas na pasta não tinha nada. Chegou lá, parou numa porta, pagou o motorista e o cara saiu correndo para contar para os amigos, para a imprensa, tudo. O Dallegrave pagou, desceu e voltou para o hotel. Ele fez uma sacanagem”, explicou, antes de finalizar:
“E os caras do Paysandu tiraram o goleiro titular do time pensando que ele tinha sido comprado. O cara se ferrou. Mas o goleiro reserva entrou e fechou o gol. Ficou pior para nós. Era para ter sido uns três ou quatro no primeiro tempo. Aí no segundo tempo, com chuva, o Librelato faz 1×0 e depois numa falta o Fernando Baiano faz outro. Salvamos? Não. Agora tem que esperar os resultados, que foram positivos para nós. Me perguntam: compraram alguém? Se compraram foi mágico, porque não tinha como. Eles receberam mala branca dos nossos adversários. Claro. Ou tu acha que no Rio Grande do Sul também não era assim?”.