Com Edu Silva de titular como lateral-esquerdo, o Inter de 2003 apostou em jovens, mesclou com experientes e, capitaneado por Muricy Ramalho, ficou somente a um ponto de se classificar para a Libertadores de 2004. Hoje treinador, Edu (na foto de capa, atrás de Muricy e ao lado de Clemer) olha pra trás e ainda lamenta um jogo fatídico na campanha dentro do Brasileirão: a derrota de 1×0 em casa no Gre-Nal do segundo turno, com o Grêmio à beira do rebaixamento.
Zona Mista: Existe uma tese no Rio Grande do Sul que defende que 2003, que você fez parte no Inter, foi o ano que o clube começou a brigar e crescer novamente. Você concorda?
Edu Silva: Eu concordo plenamente. Naquela época, um ano antes, o Inter vinha em um período muito difícil. Quase foi rebaixado. Lembro bem que em 2003 o clube não tinha tanto dinheiro para investir em atletas de nome ou em treinador de ponta. O Muricy estava despontando como um dos bons técnicos no mercado e o nosso grupo foi recheado de jogadores jovens, da base e alguns contratados que não tinham muitas passagens por clubes grandes. Então foi uma filosofia nova, implantada naquele ano, e que com certeza deu muito certo.
ZM: Qual era o papel do técnico Muricy Ramalho em todo aquele processo de reconstrução? Dá pra dizer que ele mudou a história do Inter?
ES: Com certeza. O papel do professor Muricy foi importantíssimo para essa retomada do Inter. Ele veio cheio de vontade, cheio de perspectivas e de objetivos para traçar pessoalmente. Ele precisava de uma oportunidade em uma equipe grande, que pudesse mostrar o seu trabalho e foi o que aconteceu. Ele tinha um domínio do mercado de atletas que vinham de outras divisões. Conhecia, por exemplo, alguns jogadores que estavam na Série B e que sabiam o perfil do clube que iria encontrar. E conseguiu montar um bom grupo no Inter. Aproveitou muito o que tinha na base. Aí falamos de Cleiton Xavier, Daniel Carvalho, que já vinham no time, mas cresceram muito com o Muricy. Tinha o Nilmar, saindo da base e os gêmeos Diego e Diogo que também foram importantíssimos naquela campanha. Estávamos em um nível muito bom. Era um bom grupo com jovens atletas e atletas que vinham de divisões menores, mas que tinham qualidade para jogar em um time de grande potência como o Inter. Fora alguns remanescentes do ano anterior, como o Claiton. Essa mescla toda a gente entendeu que era o que o professor queria. Não só dentro do campo, como fora também. Sabíamos a importância de conquistar algo grande, que era, por exemplo, uma melhor campanha. E quase conseguimos. Por um ponto ficamos de fora da Libertadores.
ZM: Como era jogar em um elenco tão jovem na época? Anos depois, alguns daqueles atletas citados por você viraram craques de seleção como Nilmar e Daniel Carvalho.
ES: A verdade é que fomos construindo uma família. A gente se dava muito bem dentro de campo e fora também. Todos tinham o prazer de estar ali envolvido nos treinamentos e muitas vezes combinávamos de tomar um café, almoçar junto. Estávamos sempre juntos. Era fácil notar que alguns jogadores iam chegar no auge e que poderiam ir para a seleção futuramente. A qualidade técnica era alta. Não foi surpresa nenhuma ver Nilmar, Daniel Carvalho na seleção. Outros poderiam ter ido, essa é a grande verdade. Apesar de jovens, o nível técnico era elevado. Isso era notado durante os jogos. Quando não tínhamos alguns atletas em campo, a gente sentia bastante a falta deles, porque eram caras que resolviam. E quando aconteceu do Nilmar e do Daniel irem para a seleção, era apenas fruto do que eles vinham fazendo nas competições, porque o nível só foi aumentando.
ZM: Qual o momento mais marcante para você dentro daquela campanha surpreendente no Brasileirão?
ES: Teve um momento na competição que estávamos muito bem. Se não me engano, ficamos oito rodadas como líder. E havia o Cruzeiro que tinha um time muito forte tecnicamente e com jogadores mais rodados que os nossos. Só que teve uma partida que, até depois, em bate-papo, comentávamos que se tivéssemos ganho teria mudado bastante coisa. E quem sabe até conseguiríamos a classificação para a Libertadores, que ficou por um ponto apenas. Ia dar motivação, ia colocar o emocional da gente lá no alto, a confiança também, por tudo que foi criado dentro dessa partida, que foi contra o Grêmio dentro da nossa casa. Lembro bem que era um jogo crucial pra eles. Se ganhássemos, praticamente gerava o rebaixamento deles. Apesar de termos criado inúmeras situações de gol, perdemos de 1×0 dentro do Beira-Rio. Um chute espetacular do Christian. E aí eles conseguiram ganhar fôlego para sair do rebaixamento. Então acredito que esse clássico influenciou bastante. Quando você perde um clássico assim, vem críticas, vem desconfiança e de certa forma influenciou no grupo. Mas, se o Inter ganhasse a partida, poderia influenciar bastante na nossa classificação para a Libertadores lá no final do campeonato.
ZM: Por que você não ficou no Inter para a temporada de 2004? Existia o seu interesse? Não foi criada a possibilidade?
ES: Eu tinha muita vontade de continuar no Inter. Deixei isso bem claro pro meu empresário e também pro Fernando Carvalho (presidente colorado de 2002 a 2006). Mas pouca gente sabe que eu já era jogador do Servette, da Suíça, na época que eu fui para o Inter. E o meu contrato era até a metade do Brasileirão. Mas, a pedido da comissão técnica e do meu empresário, conseguimos prorrogar até o fim do ano. Quando chegou dezembro, eu pedi para continuar. E existia, sim, o interesse do Inter que eu continuasse. Outros clubes do Brasil também estavam interessados no meu futebol, mas o clube da Suíça exigiu o meu retorno para cumprir o contrato. Por isso acabei não dando sequência no Internacional. Em seguida, o clube começou a conquistar coisas grandes e se tornou o time que é hoje.
ZM: Como está a sua vida no futebol atualmente? O quanto a pandemia interfere?
ES: Bom, o Edu Silva hoje está ganhando o seu espaço, se aprimorando cada vez mais, estudando bastante, procurando evoluir a cada dia. Estávamos disputando o Campeonato Baiano e essa pandemia acabou atrapalhando. Então, espero que isso passe logo para voltar a trabalhar. Está bem indefinido o futuro, não sabemos quando voltarão os jogos. Como os contratos foram cancelados, não sabemos para onde vamos posteriormente. O mais importante nesse momento é pensarmos na saúde, em estar bem, em cuidar da família. Para que, quando retornar, e vai retornar, essa é a certeza que todos nós temos que ter, a gente possa receber convites para seguir trabalhando no futebol. Pra colocar nossas ideias e filosofias nos trabalhos.
Nota da redação: Edu Silva treinava o Fluminense de Feira, do Baianão, até o início de março, quando deixou o cargo.
ZM: Para terminar, o que fica da relação do Edu Silva com o Inter mesmo tendo jogado somente um ano no clube?
ES: Desde já eu agradeço essa entrevista. É sempre bom poder falar do Inter, da minha passagem pelo Inter. Porque hoje eu sou um torcedor do clube. O Inter foi o clube que me abriu porta para várias coisas. Tudo que acontece até hoje as pessoas lembram do Edu que passou pelo Inter. E assim fui conquistando outras coisas no futebol. À torcida colorada, desejo sempre um grande abraço e coisas boas.