Justo no ano do seu centenário, o Inter bateu na trave em duas competições importantes. Os vices na Copa do Brasil e no Brasileirão até hoje incomodam o ex-lateral-esquerdo Marcelo Cordeiro, reserva imediato de Kleber em 2009 e personagem da nova entrevista exclusiva do Zona Mista.
Zona Mista: Como você define a sua passagem pelo Inter em 2009? São mais lembranças positivas do que negativas?
Marcelo Cordeiro: Eu considero a minha passagem bem positiva. Pude fazer do ano do centenário do Inter, que com certeza é o maior clube que eu passei na minha carreira. Em todos os sentidos. Estrutura, torcida apaixonada, uma cidade que eu adorei. Tive um início muito bom. Na segunda partida já fiz assistência e gol. Mas o Inter tinha um elenco recheado de jogadores de muita qualidade, de nível de seleção. Foi um “azar” que eu tive de, logo depois de eu ter chegado, o Inter ter contratado o Kleber. Era o titular da seleção. Um cara fora de série como jogador. Só que isso diminuiu a minha chance de ser titular. Antes, os laterais eram eu e o Marcão, e eu vinha entrando em todos os jogos. Mesmo assim foi uma passagem maravilhosa. Fiz 40 jogos no ano. Joguei com grandes craques, jogadores de renome, no Brasil e no mundo. Fiz grandes amizades e tive grandes momentos. Com sequência ficaria mais fácil, mas eu não reclamo de nada. Eu mostrava qualidade nos treinos e o Tite procurava me dar chances nos jogos. Não jogava só na lateral. Joguei como meia, ia mais pra frente, fiz dobradinha com o Kleber. Até fiz um gol contra o Náutico na Copa do Brasil assim. Foi muito bom. Acabei não dando sequência pelo desejo de jogar mais vezes. Optei por ser emprestado no ano seguinte. O Tite, que confiava muito no meu trabalho, havia saído. Então optei por ser emprestado, já que apareceram propostas pra mim.
ZM: Aproveitando que você citou ele, o quanto a concorrência com o Kleber, que virou um grande ídolo do clube, era difícil para você?
MC: Acabou tornando o meu desejo de virar titular um pouco mais difícil, né? Já que o Kleber era o titular da seleção e uma referência pra mim como atleta. Eu aprendi muito com ele no dia a dia. Um cara simples, com uma humildade grande e um grande amigo que eu fiz no futebol. Mas se tornou praticamente impossível eu ter uma sequência maior. Mesmo assim joguei bastante, até porque ele era muito convocado. Aí eu ganhava oportunidades. Foi positiva a convivência com ele porque eu pude aprender muita coisa para a sequência da minha carreira. Essa convivência com ele foi excepcional. Logo depois tive um grande ano pelo Botafogo, considerado o melhor lateral do futebol carioca. Depois fui campeão brasileiro pela Portuguesa e muito disso graças ao Inter, pela convivência com grandes jogadores, como o Kleber, que eu sempre me espelhei.
ZM: Você teve a oportunidade de jogar o 1° jogo contra o Corinthians, em São Paulo, na final da Copa do Brasil, em jogo marcado por polêmicas de arbitragem. O Inter foi prejudicado ou naquela final o Corinthians mereceu?
MC: Sim, joguei o primeiro jogo. O Kleber estava na seleção, assim como o Nilmar. Acho que foi um jogo bem equilibrado. Eles aproveitaram bem as oportunidades que tiveram. Quando o jogo estava 0x0 ainda, eu saí bem em uma jogada cara a cara com o Felipe. Acabei cavando pro Alecsandro e um zagueiro deles, acho que foi o William, chegou segundos antes e conseguiu evitar o gol. Sem dúvida, aquele segundo gol de forma irregular, que a falta era a nosso favor… e o Corinthians bateu rápido, com a bola andando, então naquele momento a arbitragem interferiu bastante. Se fosse só 1×0 pro jogo de Porto Alegre, tudo seria diferente em termos até de clima. Mas você sair perdendo uma final de 2×0, torna tudo muito mais difícil. E no segundo jogo em Porto Alegre tomamos um gol cedo, que complicou mais ainda. Mas, sem dúvida, no segundo gol em São Paulo, a interferência da arbitragem pesou bastante.
ZM: O Inter acabou sendo vice, também, do Brasileirão em 2009. Na época, o elenco aceitou e concordou com a demissão do Tite para a entrada do Mário Sérgio? Se o Tite ficasse, você acha que o título poderia ter vindo?
MC: Eu acho que foi um baque muito grande pra todos nós. Era um cara muito querido por todo elenco. Ele era muito justo. Tinha um dia a dia muito fácil. É bem difícil dizer se com ele seríamos campeões ou não. Até porque o Mário Sérgio não está mais entre nós. Mas eu acredito que as chances seriam maiores. O Tite era um cara que conhecia muito bem o elenco. Com um conhecimento muito bom e o elenco na mão. Com a chegada do Mário, ocorreram muitas mudanças. Era uma nova filosofia de trabalho. Até a maneira dele de ser no dia a dia. O grupo sentiu essa mudança de metodologia de treinamento. Eu acredito que, com o Tite, teríamos mais chances no final. A diferença no fim acabou sendo mínima.
ZM: Na última rodada, o Inter precisava de uma “ajuda” do Grêmio contra o Flamengo, que não veio. Vocês já sabiam que o Grêmio não daria essa “ajuda”? Como foi depender do rival para ser campeão?
MC: Sem dúvidas, quando foi para aquela última rodada, dependendo do Grêmio, a gente sabia que o título seria impossível. Não poderíamos imaginar o Inter sendo campeão com a ajuda do maior rival. Tanto que eles mandaram pra lá um time de reservas. Mesmo assim, dificultaram a vida do Flamengo e foram cobrados na volta. Mas, depender dos outros já é difícil, sendo um rival complica ainda mais. De qualquer forma, tenho certeza que, assim como 2008, o ano de 2009 foi muito bom pro lado do Inter. Campeões gaúchos, da Suruga, vice da Copa do Brasil e do Brasileiro. Sabemos que no Brasil só tem valor quem vence o primeiro lugar, mas não é fácil disputar as principais competições e ser campeão ou 2° colocado em todas as elas. Foi um grande ano. A gente só lamenta ter perdido por pouco esses dois títulos.
ZM: Já naquela época você foi companheiro do D’Alessandro, que segue no clube até hoje. O que mais te chamava e chama atenção nele?
MC: Em relação ao D’Alessandro, não só a ele, mas Magrão, Guiñazu, Índio, Bolívar… com o dia a dia deles eu aprendi bastante. A forma que eles se entregavam no treinamento. Eu vi que em um grupo recheado de atletas com a qualidade que eles têm, eles em nenhum momento jogavam só com o nome. Bem pelo contrário. Os treinos eram 100% todo o tempo. E o D’Alessandro fez por onde ser ídolo do Inter e estar jogando até hoje. Isso passa pelos treinamentos. Eu joguei até os 38 anos. Poderia ter jogado mais, mas optei por parar. Da mesma forma que eu cheguei jogando até essa idade, foi porque o dia a dia tinha o meu 100%. E o D’Alessandro, a capacidade de jogar, treinar, suportar pressão, porque não é fácil ser o ídolo e ser cobrado por isso, sendo o cara do time até hoje. Até hoje chama a responsabilidade, corre os 90 minutos, as bolas todas passam por ele. Eu acompanho o Inter sempre. Sem dúvida é um dos maiores ídolos do Inter. É um cara tem a personalidade forte, mas é um cara de caráter muito grande e que tem um futuro pela frente. Se decidir ficar no futebol, pode ajudar muito o Inter. O futebol precisa de ex-atletas identificados com os clubes que passaram. O dia a dia, a capacidade de suportar a pressão e a intensidade nos treinamentos eram o que mais me chamavam a atenção nele.
ZM: Para finalizar: iniciando a caminhada como treinador, gostaria de trabalhar no futebol gaúcho futuramente?
MC: Penso sim em voltar ao Rio Grande do Sul. Estou me preparando e estudando para isso. Gostaria de retribuir todos os clubes que eu tive o prazer e a oportunidade de jogar. Penso em treinar o Botafogo, o Internacional, a ajudar a Portuguesa a voltar a ser grande, o Sport, o Vitória. Tenho meta de trabalhar nesses clubes em outra função. E conseguir treinar o Inter seria algo assim que me tornaria um dos grandes técnicos do futebol brasileiro. Poucos têm essa oportunidade. É uma das maiores equipes do Brasil em história, conquistas e estrutura. Já tive uma conversa há um tempo atrás com um amigo de Caxias do Sul. É uma cidade que eu tive oportunidade de jogar e tenho um carinho grande. Sem dúvidas, tenho certeza que voltarei ao Rio Grande do Sul. Não sei quando, mas espero que seja em breve. Para isso preciso me preparar. Tenho feito cursos. Venho conversando com pessoas experientes. Todos os técnicos que trabalhei me diziam que eu tinha esse perfil de líder dentro e fora de campo. Com visão tática e técnica diferente. Por isso eu espero voltar ao futebol gaúcho, que é um lugar que eu tenho um carinho muito grande.